O que muda com o teletrabalho e por que ele é diferente de home office

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Estamos vivendo tempos diferentes e, muitas vezes, difíceis. Digo isso considerando os aspectos sociais, humanos e jurídicos. Em março deste ano, todos nós experimentamos uma nova forma de viver e de trabalhar, concentrando nossas atividades dentro do lar. Acordamos, conectamo-nos ao computador, respondemos a e-mails, fazemos videochamadas. Tudo isso sem controle de jornada, sem horário fixo, sem cobrança das horas diárias trabalhadas.

Isso não seria possível se as leis não se adaptassem às mudanças e refletissem essas alterações na realidade de cada indivíduo. Do ponto de vista jurídico, devido à necessidade de regulamentação, até 31 de dezembro viveremos enormes consequências para a sociedade, especialmente no aspecto legal.

Como resultado da calamidade pública decorrente da Covid-19, enfrentamos uma série de alterações na legislação trabalhista, com flexibilizações nos contratos de trabalho e redução ou suspensão por um determinado período de tempo. Confesso que nunca pensei que veria essas flexibilizações no mundo do Direito, mas, embora haja muita discussão a respeito de vários aspectos, elas estão aí, em nosso dia a dia, sendo utilizadas pelas pessoas e pelas empresas de acordo com a necessidade de cada uma.

Entre tantas novidades na esfera trabalhista, o teletrabalho, implementado pela última reforma, tornou-se efetivamente uma realidade para muitos. Realidade essa que, confesso, nunca pensei que viveria com tal intensidade, apesar de acreditar que, um dia, ela iria fazer parte da nossa rotina. Para minha surpresa, essa modalidade de trabalho chegou de forma diferente, mandatória, em razão de toda a situação envolvendo a pandemia, e muito mais cedo do que empresas e gestores previam.

O teletrabalho nada mais é do que realizar as atividades para as quais se foi contratado(a), de maneira preponderante, fora das dependências da empresa. Do ponto de vista conceitual jurídico, o teletrabalho é diferente do home office. A diferença entre os dois modelos está na periodicidade do trabalho em casa e no controle da jornada.

Explico: se passarmos a maior parte do tempo trabalhando em casa e se o trabalho for realizado sem qualquer controle de jornada, estamos diante do teletrabalho.

E que desafios grandes e inesperados ele trouxe! O primeiro deles: buscar motivação. Tenho de me motivar para trabalhar todos os dias em casa. Não só isso, tenho de motivar minha equipe, meus pares e meus colegas de trabalho porque a rotina pode ser pesada e desestimulante, muitas vezes. O segundo desafio, e, talvez, o mais importante, é uma verdadeira mudança de pensamento e modo de agir por parte dos gestores em relação aos seus times pois, com o teletrabalho, não pode existir um controle de jornada. Adiciono a isso a preocupação que cada gestor deve ter com seu time para que cada integrante tenha um equilíbrio entre trabalho e vida particular, o que pode ser desafiador,quando temos ambientes de trabalho e doméstico totalmente misturados.

Por um lado, a ausência de controle de jornada traz uma liberdade salutar por permitir que cada colega, eventualmente, possa iniciar o trabalho mais tarde, se tem algum tema particular a resolver. Por outro lado, também o obriga a se policiar quanto às horas extraordinárias e eventuais madrugadas a fio de trabalho.

Quem diria que essa tal liberdade inerente ao não controle de jornada tão almejada poderia ter tantas facetas positivas e negativas ao mesmo tempo, não é mesmo?

Voltando aos aspectos jurídicos do teletrabalho, é sempre recomendável ter todas as regras bastante claras e determinadas em um documento assinado por empregado e empregador. Além de trazer a transparência e a segurança necessárias, isso ajuda a determinar para o empregado exatamente quais são suas obrigações e direitos nessa categoria de trabalho.

Com disciplina, gestão de nosso tempo e motivação, podemos transformar o teletrabalho obrigatório em algo prazeroso e positivo.

Confesso que ter a oportunidade de fazer videochamadas com roupas mais confortáveis, ter a oportunidade de uma longa pausa para o café, cuidar mais da minha casa e evitar as horas de trânsito para passar mais tempo com minha família, com meus pets (afinal, tenho cinco) e comigo mesma, em qualquer lugar que seja, está sendo bem enriquecedor.

No fim das contas, o teletrabalho proporcionou mais tempo para mim e permitiu-me ser mais produtiva e feliz. Acredito que ele veio para ficar, que esse é um caminho sem volta. A lei já permite isso. Basta somente, principalmente nós, gestores, mudarmos o nosso mindset para entendê-lo e abarcá-lo de maneira positiva e definitiva para as empresas e para cada indivíduo.

Carolina De Nardi é diretora jurídica da Zoetis no Brasil.

Revista Consultor Jurídico, 7 de setembro de 2020, 7h09


Pode o empregador aplicar justa causa ao empregado por aglomeração no fim de semana?

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Desde o dia 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial de Saúde declarou a pandemia de covid-19, o mundo vem enfrentando desafios e restrições. Grandes mudanças vêm sendo verificadas no âmbito trabalhista, acarretando reflexos, em muitos casos, ainda não constatados e que implicarão num aumento de ações no judiciário.

Um dos reflexos da pandemia na seara trabalhista se refere à possibilidade de o empregador aplicar a justa causa ao funcionário que participa de aglomerações fora do horário de trabalho.

A princípio, é certo haver nítida distinção entre vida privada e vida corporativa. Entretanto, em tempos de pandemia da covid-19 e em situações de gravidade extrema, como nos dias atuais, a saúde pública é dever de todos. Logo, o interesse público protegido pela Constituição Federal permite e determina o condicionamento de direitos individuais, razão pela qual temos a obrigação de auxiliar no combate à disseminação do vírus.

Diante disso, em razão da pandemia, a saúde pública passa a ser dever de todo cidadão, empregado ou empregador. Devemos estar atentos às situações que coloquem em risco nossa vida, dos familiares, dos amigos e, também, dos colegas de trabalho. Desse modo, conclui-se que pode o empregador aplicar medidas disciplinares aos empregados por atitudes que terão reflexos na empresa, cuja responsabilidade de preservação da salubridade é do empregador.

Os atos que caracterizam a justa causa estão definidos no artigo 482 da CLT. Porém, não existe modelo fixo para sua aplicação, sendo que cada empresa deve estabelecer sua rotina punitiva e observá-la igualmente para todos os empregados. Frise-se que a justa causa se dá por ato faltoso do empregado que faz desaparecer a confiança e a boa-fé existentes entre as partes, tornando indesejável o prosseguimento da relação empregatícia.

Via de regra, observamos que o procedimento mais comum é a aplicação de uma advertência, duas suspensões, e, só então, a justa causa. Entretanto, a empresa pode estabelecer os critérios que melhor entender, desde que aplicáveis igualmente para todos empregados, haja vista o caráter pedagógico que envolve a medida, criada justamente para inibir condutas similares e futuras dos demais empregados.

Importante salientar, ainda, outros requisitos que também devem ser observados pelo empregador, quais sejam: a imediatidade (a punição deve ser atual, pois o transcurso do longo tempo entre a falta e a penalidade acarreta a presunção de perdão ou renúncia ao direito de punir); a singularidade da punição (a cada falta cometida pelo empregado somente uma pena deve ser aplicada); não discriminação (para uma mesma falta, a mesma punição, independentemente do empregado que a cometeu); e proporcionalidade (a pena deve sempre ser proporcional à falta cometida).

Desse modo, devem os empregadores levar informação e realizar treinamentos com os empregados para que tenham consciência e ajam de forma adequada para a época que estamos vivendo, tanto no ambiente de trabalho quanto no doméstico. Assim, caso se verifique que determinado empregado não está observando as medidas de distanciamento social e sanitárias impostas, que se nega a realizar aferição de temperatura ou exames compulsórios, deve o empregador, de forma reservada e sem constrangimentos, adverti-lo.

Ante a nova realidade de convívio e vigilância a que todos nós estamos expostos, onde a vida pessoal do trabalhador impacta na segurança e saúde dos seus colegas de trabalho, devemos ter em mente que é necessário pensar e agir coletivamente, com razoabilidade e equilíbrio, e que as políticas e regulamentos empresariais internos podem e devem servir para ajustar e punir comportamentos que arrisquem a saúde de seus empregados.

Priscilla Cipriano Santos de Carvalho e Ricardo Calcini

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