Os direitos dos empregados demitidos durante a pandemia da Covid-19

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Por Lidiane Sant’Ana Simões

Revista Consultor Jurídico, 15 de maio de 2020, 6h32

OPINIÃO

Até o momento, os decretos publicados pelo governo federal não alteraram a legislação trabalhista no sentido de dar estabilidade a empregados neste momento de pandemia que alcança o mundo.

A dispensa de colaboradores durante a crise da Covid-19 permanece obedecendo às regras da Consolidação de Leis do Trabalho (CLT), como de costume. Sendo assim, o empregado dispensado sem justa causa terá direito ao aviso-prévio proporcional ao seu tempo de serviço, que poderá ser de até 90 dias.

Esse indivíduo receberá ainda o saldo salarial, correspondente aos dias trabalhados no mês do desligamento; o proporcional de férias acrescidas de um terço de seu valor; férias vencidas, caso as tenha, acrescidas de um terço; 13º salário proporcional e indenização no valor correspondente a 40% de seu saldo do FGTS. É possível, ainda, o saque do FGTS e o recebimento do seguro-desemprego, se cumpridos os requisitos exigidos para tanto.

Do outro lado, as empresas vêm a todo custo tentando manter suas operações e ainda conseguir preservar o emprego de seus colaboradores, e o governo vem criando ações afins minimizar os impactos negativos da pandemia.

Como alternativa para evitar ao aumento desenfreado do desemprego no Brasil, implementou-se a MP 927/2020, que flexibiliza o uso do teletrabalho e promove antecipação das férias individuais ou coletivas, antecipação de feriados e implementação do banco de horas sem as regras estabelecidas na CLT.

Outra forte medida foi a instituição da MP 936/2020, que disponibiliza o pagamento de benefício emergencial aos empregados que tiverem, conjuntamente, a redução de jornada e de salário ou suspensão da prestação de serviço. Em ambos os casos, o benefício é pago pelo Ministério da Economia.

Importante ressaltar que os empregados integralizados na MP 936 que tiverem a jornada de trabalho e o salário reduzidos ou o contrato de trabalho suspenso recebem do Estado o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e Renda. Esses empregados terão preservados seus empregos pelo mesmo período que tiveram de redução da jornada ou de suspensão do contrato.

Existe ainda a MP 946, que autoriza o saque do recurso do FGTS até o limite de R$ 1.045 por trabalhador. As medidas provisórias citadas foram instituídas pelo governo para evitar demissões.

Ainda é importante lembrar que o empregador, caso necessário, pode, sim, fazer o desligamento normal de seus empregados durante o período de crise, sendo que ainda não foi instituído nenhum decreto federal ou estadual que garanta o emprego à classe trabalhadora nesta fase tão incerta de pandemia.

As medidas adotadas pelo governo para combater a crise econômica no âmbito trabalhista seguem no caminho certo e a topo vapor, pois trazem opções diversas como a redução salarial, a redução de jornada, a suspensão de contratos, o banco de horas, entre outras. De todo modo, se bem implementadas, as medidas instauradas até o momento criam chances de se tentar evitar o aumento desenfreado do desemprego, sendo óbvia ainda a necessidade de criação de muitas outras medidas no decorrer da crise.

Só o tempo dirá se as medidas adotadas pelo governo serão efetivamente suficientes para minimizar os impactos econômicos do coronavírus. Não será possível superar esse contexto com atitudes individuais. É preciso reunir forças, tanto o poder público quanto o privado, em busca do fortalecimento do coletivo, da preservação de vidas e da guarda dos postos de trabalho.


Vale-pedágio antecipado é proteção aos caminhoneiros autônomos

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Por João Grandino Rodas

Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2020, 8h00

Ajuizada, em outubro de 2018, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), a ADI 6.031 foi julgada, em sessão virtual, pelo STF em março de 2020 e volta, nesta semana, à pauta da Corte Suprema. Ela analisará Embargos de Declaração, visando aclarar a decisão que julgou constitucional o art. 8º da Lei 10.209/20018; entendendo ter sido ela criada para proteger o caminhoneiro autônomo (parte vulnerável da relação); não tendo, contudo, afastado a extensão indevida da norma aos contratos com transportadoras profissionais (empresas em que está ausente o requisito de vulnerabilidade). Embora, normalmente, julgamentos de Embargos de Declaração não suscitem grande interesse, devido a seu pouco alcance, não é o caso do presente.

A Lei Federal 10.209, de 23 de março de 2001, transferiu ao contratante — i.e. ao embarcador ou a ele equiparado [1] — a responsabilidade pelo pagamento antecipado do pedágio do transportador autônomo, a ser feito separadamente (em documento próprio) e de forma discriminada do valor do frete. Ficou assim instituído o denominado “Vale-Pedágio obrigatório” sobre o transporte rodoviário de carga.

Perquirindo-se os motivos da edição da lei, chega-se a um objetivo principal e outro secundário. O principal é dar vazão às reivindicações dos transportadores autônomos — pessoas físicas, proprietárias ou coproprietárias de um só veículo, sem vínculo empregatício [2] — parte mais vulnerável da relação de transporte [3], que culpavam a prática de embutir o custo do pedágio no valor do frete pela redução de sua remuneração final. O secundário era fomentar a receita nas vias pedagiadas, eliminando-se as “‘fugas’ desnecessárias e antieconômicas usualmente praticadas pelos caminhoneiros, que redundavam, de um lado, em evasão de receitas; e, de outro, contribuía para deteriorar as estradas das municipalidades situadas ao longo das chamadas ‘rotas de fuga’” [4] não preparadas para tal espécie de tráfego.

enforcement da norma ancorou-se em pesado sancionamento: o descumprimento da obrigação de antecipação do valor do pedágio importando no pagamento de indenização ao transportador “em quantia equivalente a duas vezes o valor do frete” (e não do pedágio!) — art. 8º —, o que deságua não raro em indenizações altíssimas (na verdade, multas); dezenas de vezes maior do que o valor que deixou de ser antecipado.

Respeitando os méritos da legislação em comento quanto aos seus propósitos, sobretudo na proteção dos autônomos, muitos foram os reclamos e as decisões do Judiciário atribuindo caráter confiscatório a essa sanção. Sua reconhecida exorbitância resultou quer em sua cassação, quer em sua redução pelo Juiz. Nesse sentido:

“A fixação da cláusula penal não pode estar indistintamente ao alvedrio dos contratantes, já que o ordenamento jurídico prevê normas imperativas e cogentes, que possuem a finalidade de resguardar a parte mais fraca do contrato, como é o caso do artigo 412 do CC/2002.

Embora não haja a possibilidade de determinar a exclusão da multa, pois isso descaracterizaria a pretensão impositiva do legislador, é cabível a aplicação do acercamento delineado pelo art. 413 do Código Civil, no qual está contemplada a redução equitativa do montante, se excessivo, pelo juiz, levando-se em consideração a natureza e a finalidade do negócio jurídico.” (REsp 1520327/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 27/05/2016).

Infelizmente, houve também posicionamentos pela validade de tais multas, chancelando, portanto, a aplicação desproporcional do valor dobrado do frete como parâmetro de indenização. Ainda mais draconianas foram decisões aplicando a multa a toda e qualquer contratação, inclusive em se tratando de embarcadores e grandes transportadores (pessoas jurídicas com ampla frota e atividade profissional), sem qualquer envolvimento do “caminhoneiro autônomo” protegido pela norma.

Face a isso, a CNI ajuizou a ADI 6.031, acima noticiada, questionando a constitucionalidade do art. 8.º da Lei 10.209/2001, que resultou no reconhecimento de sua constitucionalidade, nos termos do voto da relatora ministra Carmen Lúcia, vencido o ministro Gilmar Mendes [5]. Ressalte-se, entretanto, que a ministra relatora enfatizou, em seu julgamento a mens legis, ou seja a necessidade de proteger o caminhoneiro autônomo, parte vulnerável na relação:

“O objetivo da criação da norma em análise seria atender a reivindicações dos caminhoneiros autônomos, consistente na desoneração do transportador ao pagamento do pedágio, considerado que o custo do pedágio era de responsabilidade do transportador no momento da efetiva utilização das rodovias e recuperado quando da remuneração dos serviços executados porque integrava o frete realisticamente planilhado.

(…)

A opção política legislativa dirige-se a evitar comportamentos de transgressão à lei (penalidade administrativa) e de proteção ao transportador (penalidade indenizatória), parte vulnerável da relação estabelecida.”, por maioria,

Embora tenha destacado que a finalidade da multa é a proteção do caminhoneiro autônomo, parte vulnerável da relação — repita-se a mens legis —, a ministra deixou de aplicar o corolário lógico e necessário de que a norma não é aplicável aos contratos com transportadoras profissionais, em que está ausente o requisito da vulnerabilidade. Assim o fazendo: (i) interferiu, indevidamente, na relação entre partes empresárias, violando a livre iniciativa e a livre concorrência (CF, art. 1.º, IV e 170), por lhes ter imposto uniformização de aspectos contratuais (pagamento do pedágio e escolha de rotas), que constituem importantes diferenciais competitivos; e (ii) ter, indiretamente, estimulando a indústria da indenização; possibilitando a grandes transportadoras buscar enriquecimento por meio do Judiciário, alegando descumprimento de lei , cujo objetivo nunca foi esse.

Em última análise, Direito é lógica, equilíbrio e prudência; sendo vedado à hermenêutica de uma lei extrapolar sua finalidade. O próximo julgamento dos Embargos de Declaração dá ao Pretório Excelso a oportunidade de fazer valer no dispositivo do voto majoritário e, consequentemente no acórdão, algo que havia e ficou esquecido em sua respectiva fundamentação. Tal sob pena, de não o fazendo, perpetrar grande injustiça, ensejar oportunismos, além de elevar o já elevado custo Brasil. Isso é inadmissível, mormente em tempos de economia já conturbada pela pandemia.


[1] “Art. 1º Fica instituído o Vale-Pedágio obrigatório, para utilização efetiva em despesas de deslocamento de carga por meio de transporte rodoviário, nas rodovias brasileiras. § 1º O pagamento de pedágio, por veículos de carga, passa a ser de responsabilidade do embarcador. § 2º Para efeito do disposto no § 1º, considera-se embarcador o proprietário originário da carga, contratante do serviço de transporte rodoviário de carga. § 3º Equipara-se, ainda, ao embarcador: I – o contratante do serviço de transporte rodoviário de carga que não seja o proprietário originário da carga; II – a empresa transportadora que subcontratar serviço de transporte de carga prestado por transportador autônomo.

[2] Nos termos do art. 1º, da Lei nº. 7.290, de 19 de dezembro de 1984, “considera-se Transportador Rodoviário Autônomo de Bens a pessoa física, proprietário ou co-proprietário de um só veículo, sem vínculo empregatício, devidamente cadastrado em órgão disciplinar competente, que, com seu veículo, contrate serviço de transporte a frete, de carga ou de passageiro, em caráter eventual ou continuado, com empresa de transporte rodoviário de bens, ou diretamente com os usuários desse serviço.

[3] Nesse sentido, a Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 2.025-5, de 28 de Agosto de 2000 dispõe que “o vale-pedágio obrigatório será sempre antecipado ao transportador no valor necessário para a livre circulação entre sua origem e destino, viabilizando destarte à eliminação de ‘fugas’ desnecessárias e antieconômicas usualmente praticadas pelos caminhoneiros as quais representavam evasão de receitas para uns e encargos extremamente onerosos de manutenção de vias rodoviárias e acelerada deterioração destas para outros, notadamente, as municipalidades situadas ao longo das chamadas “rotas de fuga”.

[4] A Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 2.025-5, de 28 de Agosto de 2000 ainda esclarece que o objetivo da norma é transferir “o ônus do pagamento da tarifa de pedágio dessa categoria [transportadores] para o proprietário originário da carga, com forte repercussão sobre a negociação dos fretes pelos caminhoneiros.”

[5] Decisão: O Tribunal, por maioria, converteu o julgamento da medida cautelar em julgamento definitivo de mérito, conheceu da ação direta e, no mérito, julgou improcedente o pedido, para declarar constitucional o art. 8º da Lei n. 10.209/2001, nos termos do voto da Relatora, vencido o Ministro Gilmar Mendes. Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 20.3.2020 a 26.3.2020.


Saque do FGTS em demissão por força maior prescinde de trânsito em julgado

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A Caixa Econômica Federal publicou na última quarta-feira (29/4) a nova versão do Manual FGTS. Agora, empregados que que foram demitidos por força maior não precisarão apresentar decisão transitada em julgado para conseguir sacar a multa de 20% do FGTS. 

https://www.conjur.com.br/secoes/blogs/termometro-covid-19

No entanto, para que os valores depositados sejam acessados, continua sendo necessário apresentar ação para que a Justiça do Trabalho reconheça a rescisão. 

Segundo levantamento feito pela ConJur, em parceria com a instituição de educação Finted e a startup Datalawyer Insights, grande parte dos 10 mil processos trabalhistas que estão se amontoando no Judiciário por conta da epidemia do novo coronavírus são referentes a ações sobre aviso prévio e multa de 40% do FGTS, temas inerentes às demissões. Os dados fazem parte da plataforma Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho, lançada na última sexta-feira (1º/5). 

Mesmo com a mudança de entendimento da Caixa, não é possível dizer que o número de casos que irão desembocar no Judiciário tende a diminuir. Como não há necessidade de que a decisão transite em julgado, no entanto, o tempo decorrido até que o trabalhador consiga sacar o FGTS será mais curto.

Força maior
A força maior é prevista no artigo 501 da CLT (Decreto-Lei 5.452/43), segundo o qual “entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu direta ou indiretamente”. 

Nesses casos, segundo o artigo 18, parágrafo 2 da Lei 8.036/90, o trabalhador que tiver contrato rescindido tem direito a apenas 20% da multa do FGTS. 

A força maior, tal como prevista na CLT, além de ser um acontecimento inevitável à vontade do empregador, deve afetar sua situação econômica e financeira a ponto de acarretar a extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos. 

Isso mudou desde que o Governo Federal editou, em 22 de março, a Medida Provisória 927, que reconhece, no artigo 1º, parágrafo único, que a calamidade pública constitui, para fins trabalhistas, hipótese de força maior, não sendo necessário que a Justiça do Trabalho reconheça esse fato para que a rescisão ocorra. 

Problemas práticos
Para Ricardo Calcini, professor de pós-graduação da FMU, mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP e organizador do e-book Coronavírus e os Impactos Trabalhistas, a mudança de entendimento da Caixa e a MP deixam uma série de questões em aberto. 

Entre elas, de quem será a competência para analisar essas questões, se da Justiça do Trabalho ou Federal. Além disso, não se sabe quem irá figurar no polo passivo da ação, se a empresa, a Caixa ou ambas. 

“O atual problema que já está sendo enfrentado hoje no Judiciário é que nem toda rescisão contratual pode ser reputada, na forma do artigo 501 da CLT, como força maior. E a origem de toda essa discussão se deu após a MP 927, que reconhece a hipótese de força maior. Logo, a partir de uma interpretação literal da medida provisória, não seria necessário que a Justiça do Trabalho reconheça esse fato para que ocorram as rescisões contratuais com redução da multa do FGTS para 20%”, explica. 

Assim, Calcini vislumbra dois cenários. No primeiro, as rescisões contratuais, por força maior, ocorridas na vigência da MP 927, não necessitarão de chancela judicial e, assim, a Caixa deverá proceder com as mudanças de suas diretrizes internas para permitir o levantamento do FGTS.

No segundo, milhares de ações serão ajuizadas perante o Judiciário trabalhista para que a situação de força maior seja efetivamente reconhecida em cada caso, evitando-se, assim, fraudes com a redução da multa para 20%, uma vez que, na prática, nem todas as empresas foram extintas. 

“Sem dúvida, a recente mudança de diretriz interna da Caixa para que não mais se exija o trânsito em julgado da decisão judicial representou um grande avanço, por abreviar anos e anos de debates judicias, permitindo que a parte mais interessada em toda essa discussão — o trabalhador — possa, em curto espaço de tempo, levantar seu FGTS acrescido de multa de 20%. Contudo, exigir o ajuizamento de ações trabalhistas é incongruente com os atuais estágios de urgência e necessidade pelos quais estão atravessando os trabalhadores”, diz Calcini.

Ainda segundo ele, as fraudes que se pretende evitar devem ser combatidas caso a caso, a depender do interesse do reclamante em vir ou não discutir tal questão na Justiça.

“Isso, porém, deve ser exceção, e não a regra, pois, tal como a problemática está posta hoje, todos os trabalhadores, independentemente da existência ou não de fraudes nas rescisões contratuais por força maior, têm que ingressar em juízo para terem direito a liberação do FGTS com a multa reduzida em 20%”.